Desde muito cedo e até ao fim, Miguel Portas
destacou-se pela intensidade e coragem com que enfrentou as lutas. Aos 15 anos
foi detido pela PIDE, no âmbito da luta anti-fascista, que abraçou com invulgar
determinação. Participou nas manifestações de estudantes, gritou pelo fim da
guerra e da ditadura e continuou, todos os dias da sua vida, a bater-se pelos
valores do 25 de Abril.
A transformação da esquerda pautou o seu percurso
político, social e cultural, e quem o conheceu, desde o “miúdo de calções” ao homem
com “olhar de miúdo”, sabe como o seu fascínio pela diversidade e a paixão
imensa pelo mundo foram a base da sua intervenção pública e cidadã e marcaram
os trilhos percorridos na construção de um mundo assente nos princípios da
igualdade, justiça e solidariedade.
«Revolução é atitude, atitude de vida. O que ela,
quando ocorre, tem de extraordinário, de único e insubstituível, é que marca
quantos com ela se travam de razões» escreveu em 1999.
Entre 1974 e 1991 militou no PCP. Trabalhou em
diversos municípios, em programas culturais, enaltecendo o poder local,
combatendo o interiocídio e valorizando as pessoas, na sua diferença.
Europeísta e internacionalista convicto, sobre os
autores dos atentados de Setembro de 2001, escreveu: «são a face terrível do imenso
mal-estar que invade o mundo contemporâneo. E sem se ir às causas não haverá
como escapar ao ciclo da barbárie».
Em 1999 foi um dos fundadores do Bloco de Esquerda,
movimento do qual foi dirigente desde a sua assembleia e que representou na
Assembleia Municipal de Sintra e, desde 2004, no Parlamento Europeu. Mesmo
durante toda a sua doença, nunca abandonou
as suas responsabilidades de eurodeputado, tendo-se dedicado, nas
últimas semanas, a preparar o relatório do Parlamento Europeu sobre as contas do
Banco Central Europeu.
«A atualidade morde, amiúde, a escrita» sublinhou em 2004.
Fez parte da redação da revista “Contraste” e foi editor de cultura do jornal
“Expresso”. Fundou o jornal “Já” e a revista “Vida Mundial”, publicações das
quais foi diretor. Em 2002, publicou “E o resto é paisagem”, uma recolha de
crónicas, ensaios e reportagens. O Mediterrâneo foi ainda o tema de outros dois
livros que escreveu: “No Labirinto” (2006) e, com Cláudio Torres, “Périplo”
(2009). Foi co-autor e apresentador de “Mar das Índias” (2000) e “Périplo”
(2004), duas séries documentais televisivas.
Na sua última entrevista afirmou: «A minha vida valeu
a pena porque ajudei os outros». Incontestavelmente, ajudou. Intenso e
destemido, abraçou causas imensas, desenvolveu projetos vários, rasgou
culturas, ousou convergências. Até aos seus últimos dias, a democracia foi a
sua vida, e a ela se entregou de forma desmedida.
O desaparecimento de Miguel Portas suscitou inúmeras
mensagens, provenientes dos mais diversos quadrantes políticos, em Portugal e
na Europa, de associações e individualidades várias. Em comum, o realce no lado
humano e cosmopolita de Miguel Portas, e a assunção do seu contributo para uma
democracia que se pretende mais intensa.
A 19 de Abril, a propósito da Escola da Fontinha e
numa mensagem de solidariedade e incentivo àquela luta, também ela pedaço de
revolução, escreveu: «Que todas as boas vontades se juntem contra a estupidez.»
Na véspera da comemoração do 38º aniversário do 25 de
Abril de 1974, e após mais de dois anos de luta contra a doença oncológica de
que padecia, Miguel Portas faleceu, deixando a democracia, a cultura e o país
mais pobres. Viveu sempre com um sorriso no olhar, com a esperança nos dedos,
com a sofreguidão das e nas palavras. Viveu sempre com emoção. E isso, isso é
quase tudo.
A Câmara Municipal de
Salvaterra de Magos, reunida em 2 de Maio de 2012, manifesta o seu profundo
pesar pelo desaparecimento de Miguel
Portas e apresenta, à sua família, amigas e amigos, as mais sentidas condolências,
juntando-se a todas as vozes que lamentam a sua perda e a forma como esta
empobrece a democracia.
Luís GomesSalvaterra de Magos, 02 de Maio de 2012
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