sexta-feira, 11 de maio de 2012

VOTO DE PESAR

No passado dia 24 de Abril, pelas 18h, faleceu Miguel Sacadura Cabral Portas, em Antuérpia, Bélgica, apenas a uma semana de completar 54 anos de idade.

Desde muito cedo e até ao fim, Miguel Portas destacou-se pela intensidade e coragem com que enfrentou as lutas. Aos 15 anos foi detido pela PIDE, no âmbito da luta anti-fascista, que abraçou com invulgar determinação. Participou nas manifestações de estudantes, gritou pelo fim da guerra e da ditadura e continuou, todos os dias da sua vida, a bater-se pelos valores do 25 de Abril.

A transformação da esquerda pautou o seu percurso político, social e cultural, e quem o conheceu, desde o “miúdo de calções” ao homem com “olhar de miúdo”, sabe como o seu fascínio pela diversidade e a paixão imensa pelo mundo foram a base da sua intervenção pública e cidadã e marcaram os trilhos percorridos na construção de um mundo assente nos princípios da igualdade, justiça e solidariedade.

«Revolução é atitude, atitude de vida. O que ela, quando ocorre, tem de extraordinário, de único e insubstituível, é que marca quantos com ela se travam de razões» escreveu em 1999.

Entre 1974 e 1991 militou no PCP. Trabalhou em diversos municípios, em programas culturais, enaltecendo o poder local, combatendo o interiocídio e valorizando as pessoas, na sua diferença.

Europeísta e internacionalista convicto, sobre os autores dos atentados de Setembro de 2001, escreveu: «são a face terrível do imenso mal-estar que invade o mundo contemporâneo. E sem se ir às causas não haverá como escapar ao ciclo da barbárie».

Em 1999 foi um dos fundadores do Bloco de Esquerda, movimento do qual foi dirigente desde a sua assembleia e que representou na Assembleia Municipal de Sintra e, desde 2004, no Parlamento Europeu. Mesmo durante toda a sua doença, nunca abandonou  as suas responsabilidades de eurodeputado, tendo-se dedicado, nas últimas semanas, a preparar o relatório do Parlamento Europeu sobre as contas do Banco Central Europeu.

«A atualidade morde, amiúde, a escrita» sublinhou em 2004. Fez parte da redação da revista “Contraste” e foi editor de cultura do jornal “Expresso”. Fundou o jornal “Já” e a revista “Vida Mundial”, publicações das quais foi diretor. Em 2002, publicou “E o resto é paisagem”, uma recolha de crónicas, ensaios e reportagens. O Mediterrâneo foi ainda o tema de outros dois livros que escreveu: “No Labirinto” (2006) e, com Cláudio Torres, “Périplo” (2009). Foi co-autor e apresentador de “Mar das Índias” (2000) e “Périplo” (2004), duas séries documentais televisivas.

Na sua última entrevista afirmou: «A minha vida valeu a pena porque ajudei os outros». Incontestavelmente, ajudou. Intenso e destemido, abraçou causas imensas, desenvolveu projetos vários, rasgou culturas, ousou convergências. Até aos seus últimos dias, a democracia foi a sua vida, e a ela se entregou de forma desmedida.

O desaparecimento de Miguel Portas suscitou inúmeras mensagens, provenientes dos mais diversos quadrantes políticos, em Portugal e na Europa, de associações e individualidades várias. Em comum, o realce no lado humano e cosmopolita de Miguel Portas, e a assunção do seu contributo para uma democracia que se pretende mais intensa.

A 19 de Abril, a propósito da Escola da Fontinha e numa mensagem de solidariedade e incentivo àquela luta, também ela pedaço de revolução, escreveu: «Que todas as boas vontades se juntem contra a estupidez.»

Na véspera da comemoração do 38º aniversário do 25 de Abril de 1974, e após mais de dois anos de luta contra a doença oncológica de que padecia, Miguel Portas faleceu, deixando a democracia, a cultura e o país mais pobres. Viveu sempre com um sorriso no olhar, com a esperança nos dedos, com a sofreguidão das e nas palavras. Viveu sempre com emoção. E isso, isso é quase tudo.

A Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, reunida em 2 de Maio de 2012, manifesta o seu profundo pesar pelo desaparecimento de Miguel Portas e apresenta, à sua família, amigas e amigos, as mais sentidas condolências, juntando-se a todas as vozes que lamentam a sua perda e a forma como esta empobrece a democracia.
Luís Gomes
 
Salvaterra de Magos, 02 de Maio de 2012

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