sexta-feira, 5 de julho de 2013

Desistir dos desempregados e dos mais excluídos

Soube-se que o governo quer limitar o acesso a dispositivos de formação profissional. Para o governo, a prioridade deve ser dada a quem, estando desempregado esteja a receber subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção. Todos os outros, a grande maioria, desempregados que não auferem qualquer tipo de subsídio, ficam praticamente excluídos de poderem aceder a formação profissional.
A medida é de estranhar, principalmente sabendo-se que, hoje em dia, a maior parte dos desempregados já não auferem qualquer subsídio e que são estes os mais excluídos entre os excluídos, porque o desemprego e a privação financeira são das principais causas de exclusão.
Por que razão, então, esta medida que restringe o acesso a formação profissional?
Em 24 de maio de 2013 é publicado o despacho normativo n.º 6/2013 que altera o despacho 4-A/2008 que define quais as despesas elegíveis em cursos de formação. Uma das alterações previstas no despacho de maio passado é a de que passa a ser despesa elegível de formação as “despesas com os apoios sociais de que os formandos beneficiem, nomeadamente subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego e rendimento social de inserção”. Traduzindo: as prestações sociais passam a ser pagas, não pela segurança social, mas sim pelos fundos comunitários que financiam os cursos de formação.
É por esta razão, e apenas por esta razão, que o governo quer que o acesso a cursos de formação financiados seja quase exclusivo para desempregados que beneficiam de prestações sociais. Apenas para poupar o dinheiro com as prestações e fazer com que elas sejam pagas por outros fundos. Os outros desempregados, os de longa duração e mais excluídos sociais? Não querem sequer saber deles. Deixa de haver, quase na totalidade, respostas de formação que lhes sejam destinadas.
Seria, talvez, altura de tentarmos refletir sobre os papéis da formação profissional numa sociedade. No caso de pessoas empregadas, esse papel parece mais óbvio e direto: pode ser a aprendizagem de alguma nova competência profissional necessária, o treino das chamadas competências transversais tão valorizadas desde as décadas de 80 e 90, a reciclagem da mão de obra por se prever reestruturações no modo ou meio de produção, etc...
No caso de formação profissional destinada a desempregados, a coisa é diferente. Pode-se dizer que o objetivo é sempre o treino e aquisição de conhecimentos e competências, é a conhecida intervenção no saber-saber, saber-fazer, saber-ser. E pode-se ainda dizer que o objetivo é a empregabilidade, reduzir o desemprego, etc. Sendo sincero, parece-me que poucos desses papéis cabem à formação profissional. Não cabe à formação criar emprego ou fazer da mão de obra desempregada, mão de obra empregada. Isso é pura ilusão. Esse papel cabe apenas à economia e, claro, intrinsecamente ligados, às opções políticas.
Então, para quê a formação profissional destinada a desempregados? Para além da óbvia aquisição de conhecimento que ela proporciona, existe uma série de benefícios latentes que ela proporciona a quem a frequenta, em especial desempregados de longa duração (e são esses que vão deixar de lhe aceder).
Há muitas décadas, uma investigadora, Jahoda, descobriu que o desemprego privava os trabalhadores de uma série de benefícios: estruturação do tempo, status social e identidade, partilha de objetivos sociais, contacto social e atividade regular, para além da privação do seu benefício manifesto mais óbvio: o salário. Os desempregados estavam, por isso, mais desprotegidos e mais expostos à exclusão porque perdiam todos esses benefícios que eram garantidos pelo emprego. A formação profissional, não sendo, obviamente, substitutiva do emprego, poderia mimetizar alguns destes benefícios, minimizando, por isso, o impacto do desemprego. Ora, a formação profissional para desempregados, tem, portanto, esse currículo oculto: devolver alguns benefícios latentes e combater a exclusão social.
É, por isso, extremamente contraditório que o governo pretenda agora afastar os mais excluídos destes mecanismos. É inclusivamente contraditório dos próprios regulamentos de alguns dos dispositivos de formação.
Atendamos, por exemplo, ao regulamento específico da Formação para a Inclusão: diz o artigo 5º desse regulamento que os destinatários deste tipo de formação são, entre outros, “a) crianças, jovens ou adultos em situação de exclusão ou em risco de exclusão; b) desempregados, em particular os de longa e muito longa duração”. Ora, estes destinatários são exatamente os que o governo rejeita agora como formando, porque muitos jovens em exclusão ou em risco de exclusão não estão a receber nenhuma das prestações sociais referidas, muito menos os desempregados de longa e de muito longa duração, a quem o subsídio de desemprego já acabou há muito. Mas pode-se dizer: 'Ah, mas podem estar a receber RSI'. Poderiam, talvez, não tivesse o governo alterado as regras de acesso ao mesmo, o que, não só tem restringido o acesso, como tem também retirado este subsídio a quem já era beneficiário do mesmo. Os números, nesse ponto, são muito claros: desde a entrada das novas regras, foram 66 mil as pessoas que perderam este apoio. A própria Segurança Social calcula que, por mês, sejam 8230.
Podemos chegar agora a uma questão final: quais as medidas que se oferecem, então, aos mais excluídos, aos desempregados de muito longa duração, aos desempregados que não têm nenhum apoio social? O presidente do IEFP diz que há muitas medidas que se lhes destinam, mas não é verdade. A verdade, nua e crua, é que o governo desistiu destas pessoas e já nem conta com elas para pensar politicamente o problema do emprego e do desemprego, muito menos o problema da formação profissional, área para a qual o governo não tem nenhuma estratégia, como se vê.

Luis Gomes
Salvaterra de Magos, 03 de Julho de 2013




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