1. A Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio, estabeleceu o Regime Jurídico da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica, conducente à supressão de freguesias.
2. O resultado final de tal iniciativa legislativa traduz-se numa drástica redução do número de freguesias, sem qualquer critério que não o critério quantitativo, e com graves insuficiências na participação das populações e autarquias afetadas.
3. O mapa das seis Freguesia do Concelho de Salvaterra de Magos - Foros de Salvaterra, Glória do Ribatejo, Granho, Marinhais, Muge e Salvaterra de Magos – resulta de uma reorganização nos anos 80 e representa uma divisão administrativa reconhecidamente adequada ao território.
4. Cada comunidade local tem hoje o seu território definido, não só em termos administrativos como resultante de dinâmicas sociais, como sejam a residência dos utilizadores ou possuidores dos próprios terrenos, bem como das redes de proximidade, de mobilidade e de relações que se estabelecem e que acabam por se refletir nas identidades das comunidades locais e até na representação política que a Freguesia também significa.
5. Sendo certo que a divisão administrativa do território não é estática e deve relacionar-se com as dinâmicas geográficas que lhe estão associadas, o mapa atual das freguesias do município de Salvaterra de Magos corresponde a uma realidade que se estabilizou nas últimas décadas e é aceite e reconhecida pelas respetivas comunidades locais que não compreenderiam a imposição de mudanças que afetariam o seu quotidiano e a sua própria identificação territorial.
6. É esta a razão do carácter conturbado de qualquer reforma territorial, ou diminuição de competências das comunidades locais que seja feita por via não consensual. É que de uma forma generalizada, as comunidades afetadas sentem-se mais legitimadas nas suas pretensões do que o poder constitucionalmente legítimo que as pretenda impor.
7. E é por isto que se entende que qualquer decisão que implique a criação, extinção, fusão e modificação territorial de autarquias locais deve ser objeto de ampla e solene participação dos cidadãos das autarquias afetadas, que devem ser consultados por via referendária. É esta, aliás, a solução do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local, à qual Portugal aderiu e ratificou, vigorando na nossa ordem jurídica.
8. As autarquias locais são comunidades cuja existência dotada de autonomia local está legitimada por dezenas ou mesmo centenas de anos de construção de uma identidade comum, mas também pela Constituição de 1976.
9. Apesar de cada categoria de autarquia local conter um âmbito territorial mais ou menos vasto, compreendendo no seu território outras autarquias locais de diferente categoria ou compreendendo-se o seu território no território de autarquias locais de diferente categoria, a Constituição da República Portuguesa não estabelece nenhuma relação hierárquica entre elas, conforme é considerado por diversos constitucionalistas.
10. É esse o entendimento, por exemplo, do Professor António Cândido de Oliveira, na sua feliz formulação a respeito do tratamento constitucional da freguesia: “a freguesia que tem, a nível constitucional, a mesma dignidade que o município”1.
11. Desta forma, o artigo 11.º, n.º 1 da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio, ao conferir exclusivamente às assembleias municipais a competência para emitir pronúncia sobre a reorganização do mapa das freguesias compreendidas no território do respetivo município, excluindo as assembleias de freguesia, cuja intervenção é facultativa (artigo 11.º, n.º 4 da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio) e remetida para um mero parecer a ser ou não considerado pela assembleia municipal, viola o artigo 6.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
12. Com efeito, esta subalternização do papel das freguesias põe em causa, de forma intolerável, o princípio da subsidiariedade, na medida em que, conferindo-se competências a autarquias locais de participação no processo de reorganização territorial das autarquias locais, a proximidade do centro de decisão às pessoas afetadas, exige uma intervenção efetiva das freguesias.
13. De igual forma, é posto em causa de forma intolerável o princípio da autonomia das autarquias locais, na medida em que pese embora tal competência de pronúncia estar cometida a um órgão de autarquia local, a verdade é que esse órgão não é das autarquias locais afetadas diretamente.
1 In Oliveira, António Cândido de, A democracia local (aspectos jurídicos), Coimbra Editora, Coimbra, 2005, página 20.
Aplicação da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica em Salvaterra de Magos
14. O Município de Salvaterra de Magos dispõe de seis freguesias, a saber: Foros de Salvaterra, Glória do Ribatejo, Granho, Marinhais, Muge e Salvaterra de Magos.
15. Para efeitos da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica, o Município de Salvaterra de Magos:
a) É considerado um município de Nível 3 (artigo 4.º, n.º 2 alínea c) e Anexo I da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio);
b) Dispõe dos lugares urbanos sucessivamente contínuos de Foros de Salvaterra, Salvaterra de Magos, Glória do Ribatejo e Marinhais (artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2 e Anexo II da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio).
16. Os lugares urbanos sucessivamente contínuos de Foros de Salvaterra e de Salvaterra de Magos são compostos das freguesias com a mesma designação, tal como os lugares urbanos sucessivamente contínuos de Glória do Ribatejo e Marinhais também são compostos das freguesias com a mesma designação.
17. Em cada município de nível 3, como é o caso do de Salvaterra de Magos, a Reorganização Administrativa Territorial Autárquica impõe uma redução global do respetivo número de freguesias correspondente a, no mínimo, 50 % do número de freguesias cujo território se situe, total ou parcialmente, no mesmo lugar urbano ou em lugares urbanos sucessivamente contíguos e 25 % do número das outras freguesias (artigo 6.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio.
18. Assim, no Município de Salvaterra de Magos a Reorganização Administrativa Territorial Autárquica contempla a redução de:
a) Pelo menos 50% das freguesias situadas total ou parcialmente nos lugares urbanos sucessivamente contínuos de Foros de Salvaterra, Salvaterra de Magos, Glória do Ribatejo e Marinhais;
b) Pelo menos 25% das restantes freguesias, Granho e Muge;
19. Nos termos do artigo 7.º, n.º1, Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio, a assembleia municipal goza de uma margem de flexibilidade que lhe permite, em casos devidamente fundamentados, propor uma redução do número de freguesias do respetivo município até 20 % inferior ao número global de freguesias a reduzir.
20. Nos casos em que o cumprimento dos parâmetros de agregação definidos determine a existência de um número de freguesias inferior a quatro, como acontecerá no
município de Salvaterra de Magos, a pronúncia da assembleia municipal prevista no artigo 11.º, pode contemplar a existência de quatro freguesias no território do respetivo município.
21. Os eleitos pelo BE para a Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos, propuseram em 14 de Junho de 2012 a realização de um referendo local sobre a aplicação da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica no Município. A realização do referendo local proposto foi rejeitada, com 10 votos a favor, 14 votos contra e 2 abstenções.
Conclusões
22. A Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio apresenta um conjunto de disposições fundamentais de duvidosa constitucionalidade.
23. A aplicação da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica às freguesias compreendidas no município de Salvaterra de Magos implica uma redução de duas a três freguesias.
24. O concelho de Salvaterra de Magos já teve quatro freguesias, mas a criação das Freguesia dos Foros de Salvaterra e do Granho, veio permitir um ganho de eficácia e uma proximidade que, antes era impossível.
25. As freguesias encerram uma forte identidade das populações do município de Salvaterra de Magos.
26. As populações, com a aplicação da Reorganização Administrativa Territorial Autárquica no município de Salvaterra de Magos, ficariam privadas dos serviços de proximidade e da identidade local que lhes é garantida pelo atual mapa de freguesias, com grave prejuízo para as suas vidas.
27. As populações não foram ouvidas nesta matéria por via referendária, sendo certo que nenhuma das forças políticas eleitas para a Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos propôs no seu programa eleitoral qualquer medida com objetivos semelhantes aos da RATA.
Deliberação
Assim, a Assembleia de Freguesia do Granho, reunida no dia 21 de Setembro de 2012 delibera:
1 – Ao abrigo do artigo 53.º, n.º 1, alínea q) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na sua atual redação, manifestar as suas reservas quanto à constitucionalidade das seguintes disposições da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio:
a) Do artigo 11.º, n.º 1 da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio é materialmente inconstitucional por violação do artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa.
b) Dos artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio, quando sejam interpretados no sentido de:
i - Não serem obrigatoriamente consultadas as freguesias que sejam abrangidas pela fusão de municípios, previstas no artigo 16.º;
ii – Não serem obrigatoriamente consultadas as freguesias que sejam abrangidas pelas modificações territoriais, seja pela alteração do município a que pertencem, seja pela alteração do seu território, previstas no artigo 17.º, por violação do artigo 249.º da Constituição da República Portuguesa e ainda por violação do artigo 4.º n.º 6 e do artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
c) Dos artigos 11.º, n.º 1, 10.º, n.º 4, 14.º, n.º 1, alínea c), 14.º, n.º 2 e 15.º, n.º 1 e n.º 3, da Lei n.º 22/2012, quando interpretados no sentido de inviabilizarem a audição das freguesias relativamente à sua extinção, fusão ou modificação territorial são inconstitucionais, pois violam o artigo 4.º, n.º 6 e o artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local, e, consequentemente, violam o artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
2 – Ao abrigo do artigo 53.º, n.º 1, alínea q) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na sua atual redação, solicitar a Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, a Sua Excelência, a Senhora Presidente da Assembleia da República, a Sua Excelência o Senhor Primeiro-Ministro, a Sua Excelência, o Provedor de Justiça, a Sua Excelência, o Senhor Procurador Geral da República e a Suas Excelências, os Senhores Deputados à Assembleia da República, para que promovam a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade das normas referidas em 1, nos termos do artigo 281.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
3 – Ao abrigo do artigo 53.º, n.º 1, alínea q) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na sua atual redação, solicitar a Suas Excelências, os Senhores Deputados à Assembleia da República, a revogação da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio.
4 – Ao abrigo do artigo 11.º, n.º 4 da Lei n.º 22/2012, de 30 de Maio, pronunciar-se pela manutenção do actual mapa das freguesias compreendidas no Município de Salvaterra de Magos, nomeadamente pela manutenção da atual configuração territorial da freguesia do Granho,
5 – Aprovar o presente projeto de parecer, em minuta e com efeitos imediatos.
Granho, 21 de Setembro de 2012
Os representantes do BE na Assembleia de Freguesia do Granho
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